15 de out. de 2009

A UM CAPEL

Quando era pequena- ou menor, que seja- lembro de visitar a casa dos meus avós e como sempre foi da minha natureza, dormir muito. Eu deitava a cabeça sobre as pernas do meu avô, sentado, e ele começava a cantar músicas de ninar, como: "Nessa rua, nessa rua tem um bosque, que se chama que se chama solidão, dentro dele, dentro dele mora um anjo, que roubou, que roubou meu coração" e "Terezinha de Jesus, abre a porta e vê quem é, é um homem pequenino que tem medo de mulher (...) Da laranja pede um gomo, do limão quer um pedaço, da menina mais bonita quer um beijo e um abraço" e ele batia a mão levemente nas minhas costas até que eu adormecesse. Cafuné e esse tipo de carinho nunca me fizeram dormir, eram esses "tapinhas" do meu avó e um movimento que meu pai faz com os dedos sobre a minha cabeça como se estivesse matando piolhos que me deixam realmente com sono.

Com o Alzheimer e seu quadro cada vez mais grave, a capacidade de raciocínio diminuiu, é quase incapaz manter uma conversa linear. Mas se tem algo que me deixa absurdamente feliz é a capacidade que ele tem de elevar meu ego, passo perto dele e ele sem nem saber quem sou mais, nem ao menos lembrar meu nome, fala: "Moça, não tem uma mocinha mais bonita nessa cidade" ou então me chama a atenção dando uma piscadela dizendo: "Linda" e manda um beijinho.

Outro hábito que mantinha era de ir sempre ao zoológico com ele, era meu passeio em Goiânia. Aquele era um lugar tão grande e agora está em decadência. É triste ver que assim como as pessoas, os lugares "envelhecem" e vão paulatinamente perdendo seu valor. Eu bebia caldo-de-cana e chupava picolé de groselha, minha boca ficava absurdamente suja e então ele tirava um lencinho do bolso e a limpava. Com o tempo, ele foi deixando de me levar e eu passei a levá-lo, minha mãe dizia: "Cuidado para que o seu avô não se perca!" mas ainda assim ele sabia meu nome, ele sabia onde era a casa dele e ele olhava o relógio, constantemente.

Qualquer atitude inusual dele hoje, como a lembrança do local onde nasceu, me levam a uma alegria imensurável. É incrível como ele acha tudo inusitado, fica perplexo com o relógio: "Nossa, ele trabalha o dia todo, não para nem um pouco!" e então começa a acompanhar os números assim como o ponteiro dos segundos: "1, 2, 3..." e não para enquanto não cansar.Ainda agora eu estava estudando e ele voltava do banheiro para a sala. Eu não ouvi a música, mas sim a melodia do acalanto que eu adorava ouvir quando criança.Pareço sentir o medo de uma nostalgia futura; o medo de perdê-lo é tão grande e é tão deprimente pensar que não temos as pessoas pelo estender da eternidade que só sou capaz de dizer: quero aproveitar cada abraço, cada pedido de beijinho e cada elogio que diariamente ele me faz, porque esse sim já me considerou a sua melhor amiga. Em toda a minha infantilidade e sua velhice retrocedida.

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