24 de ago. de 2010

A PROSTITUIÇÃO DA ESCRITA

Por volta dos seis anos de idade aprendemos a escrever. Nós ensinam que bê mais a formam o bá, insistem em uma caligrafia perfeita e por mais de um ano prosseguimos lendo frases com a estrutura sintática mais básica possível, como: "Maria gosta de feijão.".Em seguida já começamos a fazer cópias de textos para aumentar nossa desenvoltura na escrita e paralelamente incentivar a nossa leitura. As aulas de redação começam e os livros literários a serem analisados igualmente. Nos mostram como fazer uma dissertação ou como é a estrutura de uma carta. Nos ajudam a descrever ambientes e a relatar uma imensidão de fatos com precisão de detalhes na típica redação entitulada "Minhas férias".
Sempre gostei muito de escrever como em um fluxo de ideias. Jogar as palavras no papel sem analisá-las muito. Como se estivessem sendo excretadas, como se fluíssem pelos poros. Da mesma forma gosto muito de só terminar frases quando um determinado pensamento se encerra. E como é da minha natureza pensar demais, os períodos se prolongam e os parágrafos parecem não ter fim. E é então que surgem as corretoras de redação. Digo corretoras porque são em sua maioria mulheres. E falo com esse desprezo porque é realmente esse o meu sentimento em relação a essa profissão escolar. Desgosto por mecanizarem tanto a nossa escrita.
Tenho a impressão de que se pegam uma carta para corrigir, sem ao menos fazer uma leitura prévia já vão escrevendo que há uma inadequação no gênero por falta de interlocução. Você pode encarnar o eu-lírico o quanto for que sempre falarão que você não conseguiu adquirir o novo ethos. Sempre vão classificar seus períodos como longos e suas opiniões quando não pertencem ao senso-comum, são radicais por demasia. Falam que você não fez uma leitura adequada da coletânea ou até mesmo que a leitura foi superficial.
Nos incentivam tanto a ler obras já consagradas e clássicas da nossa língua, como Machado de Assis e quando tentamos aplicar o que aprendemos como essas não nos aceitam. Os grandes escritores foram aqueles que souberam inovar em meio a pessoas que escreviam sempre do mesmo jeito. Voltando ao exemplo de Machado de Assis, esse obteve o seu sucesso justamente por compor personagens tão esféricos em meio ao perfil excessivamente romântico das composições de seus contemporâneos.
Os temas são ainda outro problema. Ética, Esperança, Apatia, Ser Sujeito foram alguns dos assuntos já abordados esse ano. O número de abstrações cobradas é tão extenso e sempre nos é requerida a mesma forma: exposição do assunto a ser tratado, tomada de posição, exemplos e dados que comprovem o argumento e sugestão para a melhoria do problema. O que me vem à mente, no entanto, é como possuir uma argumentação relevante diante de assuntos que não nos engajem. Criticaram por anos temas como aborto e descriminação da maconha dizendo que são muito repetidos. Mas são justamente esses temas mais abordados que nos permitem uma posição mais veemente. São essas polêmicas maniqueístas que permitem que tenhamos posições defendidas com paixão e não a transcrição de um simples texto expositivo.
Minha crítica em relação às corretoras pode até mesmo ser injusta, considerando que as mesmas fazem seu trabalho por ser esse tipo de redação a exigida em vestibulares. Agora alguém me explique, por obséquio, como querem nos avaliar por meio de uma escrita tão mecanizada? Tenho perdido minha forma de escrita de tanto treinar estruturas sintáticas que não me dizem respeito.Uma coisa é ter uma ortografia condizente ou até mesmo realizar os processos de combinação verbo-nominais com exatidão. Outra coisa bem diferente é privar todo o nosso processo criativo. Se a função do vestibular é "escolher" os bons alunos que se candidatam à vaga universitária, por qual razão querem alunos com uniformidade de concepções ou sem a capacidade de criar? Aqui vai a minha crítica ao sistema educacional brasileiro que cria máquinas de escrita e não escritores. Que produz vestibulandos como em uma esteira de montagem do modelo fordista de produção.

2 comentários:

  1. Texto impressionante Déborah.
    Muito, muito bom.
    E concordo plenamente,
    estão nos ''engessando''.

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  2. Bom texto. Mas a função do vestibular não é escolher os bons alunos. É somente um teste de aptidão que não objetivo maior que somente ver quem acerta mais questões sob uma dada situação específica. Em nenhum momento o vestibular escolhe melhores ou piores, mas somente escores, independente de quem os tem.

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